05 jun Entrevista com Samarone Lima
Iniciamos uma série de entrevistas com os autores dos livros de nossa coleção 2015. A primeira delas será com Samarone Lima, autor de Tempo de Vidro, que teve suas capas confeccionadas pelas meninas da Cartonera Do Mar. Samarone é escritor e jornalista e venceu o prêmio da Biblioteca Nacional com seu Aquário desenterrado (Confraria do Vento, 2013)
Fala um pouco sobre a concepção de Tempo de Vidro.
R – Nasceu em um contexto bem duro. Morava no Poço da Panela e tive que me mudar para o Cabo de Santo Agostinho, para ajudar Flocely, minha tia-avó, que estava com muitos problemas de saúde. Foi uma espécie de mergulho na história mais antiga da família. Lembro que um dia sentei, botei papel na máquina e escrevi um começo de poema bem estranho:
“Nasci o terceiro na linhagem dos homens.
Os seios de minha mãe
Estavam gastos por outras bocas
E de longe
Mamei no tempo”.
Aquilo funcionou como um portal. Foi como se tivesse aberto uma nova mandala. Passei alguns meses escrevendo e reescrevendo, fazendo reparos, ampliando, cortando. Era um texto muito autobiográfico, mas era preciso encontrar boas metáforas. Tive a generosa ajuda do Ronaldo Correia de Brito, que fez algumas leituras em voz alta e deu várias sugestões, que foram importantíssimas. Como o poema tem muito isso das origens, foi bom, porque o Ronaldo é das bandas do Crato. Acho que se identificou.
Tempo de Vidro é um poema longo cuja temática gira em torno da relação com os antepassados, com a família e a memória. Esse seria o motor principal de tua poesia?
R – Em Tempo de Vidro isso é o núcleo, a fonte, mas em A praça azul (Paés, 2012), que foi publicado junto, é uma parte. É muito forte, este tema, porque me desgarrei demais do meu núcleo familiar. Aos 18 anos saí de casa, e minha família quase inteira vive em Fortaleza. Acho que foi uma espécie de retorno afetivo às minhas origens.
Mas estou terminando um livro novo de poesias, e a editora, Karla Melo, da Confraria do Vento, acha que eu já “saí de casa”, o que acho muito bom.
Você retrabalha muito os poemas? Como é o processo entre a primeira ideia e o texto final?
R – É um processo bem demorado, porque escrevo poesia há muitos anos, desde os 13 para 14 anos, e tenho dezenas de cadernos e diários. Vou relendo, procurando algo que sirva, às vezes uma frase, um mote. Escrevo sempre à mão, reescrevo, vivo com um caderno poético sempre na mochila. Boto data quando escrevo o poema, e marcando a cada correção (fiz até um carimbo para isso). Como não tenho esse frenesi de publicar, é lento mesmo.
Você costuma ter leitores beta para seus textos. Como funciona na hora de cortar ou substituir algo a partir das sugestões dos leitores?
R – São poucos leitores. Silvinha, minha companheira, o velho e bom amigos Arsênio Meira Júnior e a editora, Karla Melo. Cada um faz uma leitura, e sempre recebo sugestões maravilhosas. Silvinha faz mais uma leitura afetiva. Arsênio é rápido nas respostas, para o que presta ou não. Não conheço um escritor que tenha lido mais poesia que ele. Com Karla, temos um ritual. Sentamos num café, levo os originais em duas cópias e ela vai lendo cada poema em voz alta, parando, fazendo comentários, sugerindo cortes, mudança de títulos etc.
A vantagem é que sou muito aberto para isso. O que importa é que o poema fique o mais próximo possível da beleza e da intensidade, que seja vertical, como diz o querido poeta Roberto Juarroz.
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