Resenha da jornalista Renata Beltrão no blog Lombada Quadrada sobre a novela Atlântico, de Ronaldo Correia de Brito
A arte é como uma antena para o infinito – capta a matéria invisível ao redor do nosso tempo e a entrega ao mundo decodificada ao seu modo; ainda misteriosa e às vezes mística, mas antecipando sentimentos e raciocínios ainda inapreensíveis pela maior parte das pessoas. Sendo o espaço da subjetividade, a arte também tem a capacidade de iluminar o que às vezes é óbvio e lógico, mas segue não sendo enxergado pelo rigor da objetividade – às vezes, porque essa objetividade é um álibi para a omissão deliberada ou para a cegueira negligente.
Pensei nisso enquanto lia o Atlântico, de Ronaldo Correia de Brito. Texto curto (quase um conto) publicado pela Mariposa Cartonera, teve tiragem inicial de apenas 50 exemplares, assinados pelo autor. Independente de sua extensão, foi finalista do último Prêmio Oceanos na categoria Romance e entrou para a lista de melhores leituras de 2016 aqui do Lombada Quadrada. A capacidade de captar o espírito do tempo por trás de um fato amplamente conhecido é o grande feito desse texto, inspirado em um crime rumoroso ocorrido em Pernambuco mais de 15 anos atrás.
Em maio de 2003, duas adolescentes de classe média alta desapareceram após um passeio de lancha na praia de Maracaípe, vizinha à de Porto de Galinhas. Elas tinham ido passar o fim de semana na casa de um amigo em Serrambi, junto com vários outros jovens. Se desencontraram dos amigos e tentaram voltar pra casa no começo da noite, de kombi lotação. Nunca mais foram vistas. Após 10 dias sem notícias, o pai de uma delas resolveu procurá-las por conta própria. Encontrou os corpos jogados numa estrada de terra no meio de um canavial.
Motorista e cobrador da kombi foram logo identificados, mas o crime já havia captado a imaginação popular e a sanha da imprensa de um jeito absolutamente nefasto. Entre a atuação atrapalhada da polícia, a obtusidade do promotor de Justiça e a vontade de vender jornais, várias teorias da conspiração tomaram corpo e foram alimentadas pela mídia. Em uma das versões fantasiosas, as meninas teriam sido mortas pelo pai que as achou no canavial, porque a amiga da filha estaria grávida dele. Em outra, mais popular, uma das meninas teria morrido de overdose numa festinha na casa dos amigos que as hospedavam; a outra teria sido morta como queima de arquivo.
Atlântico aborda o crime lateralmente. Transformado em Caso Guadalupe (em alusão ao Caso Serrambi, como o episódio ficou conhecido), o fato surge como discussão nas aulas de história de Cecília, a personagem principal. Ela precisa escrever um trabalho escolar sobre o crime e pensa sobre ele enquanto vagueia pelo Recife. Nessas andanças, observa uma periferia marcada pelo Rio Capibaribe; vê bairros cujos nomes aludem aos efeitos da água sobre a cidade (Areias, Barro, Várzea). Quanto mais periférica a localidade, maior o efeito do rio sobre ela. É palpável a referência a Cão sem plumas, de João Cabral de Melo Neto. (…)
Leia a resenha completa no link.
No Comments